Minha mãe, dona Wally, foi uma mulher linda, alegre, otimista. Lembro 
de seu passo enérgico no corredor, a voz cantando no jardim quando 
mexia nas suas rosas, a risada clara conversando com meu pai. 
Adorava viajar, adorava suas tardes com amigas (e primas) jogando 
cartas, adorava jogar tênis, e adorava acima de tudo meu pai, meu 
irmão e esta que aqui escreve – que, eu acho, nunca correspondeu 
direito ao que ela imaginava ser uma menina, jovem ou mulher contente, 
normalzinha. Nunca aprendi a jogar cartas, a jogar tênis, a arrumar o 
quarto (a empregada fazia isso muito melhor do que eu, era o meu 
argumento). Na cadeira, empilhavam-se minhas  roupas, o armário era 
uma confusão, até ela jogar tudo no chão para eu arrumar do jeito que 
era bonito. "Tem meninas que empilham calcinhas e pijamas conforme 
a cor, e amarram com fitas lindas". Eu achava aquilo uma perda de tempo
 lastimável. Queria ler, sonhar, ser feliz, quieta e em paz. Queria entender 
o mundo.
Tivemos uma relação tumultuada. Nada dramático, apenas as diferenças 
entre uma mãe ansiosa e controladora e uma filha rebelde e amante da 
liberdade. Ainda que fosse a liberdade boba de andar descalça no pátio, 
acender o abajur do lado da cama e ler madrugada adentro, rir alto demais, 
rir fora de hora, e ter uma quase absoluta incompetência e desgosto pelas 
coisas domésticas. Isso, e ler demais, segundo minha mãe e seu bando 
de primas e amigas, me impediria de conseguir marido: coisa gravíssima, aliás.


Lembro encantada de tardes que passávamos juntas na 
grande sala, cada uma com seu bordado, conversando 
animadas, ela falando da infância, da família, de como 
conheceu meu pai.


Minha mãe era ansiosa em parte porque a gente nasce assim ou assado, mas também 
– aprendi quando tive meus filhos – porque o primeiro bebê tinha morrido e ela 
talvez nunca se recuperasse dessa angústia. Seja como for, fui muito cuidada, 
vigiada, controlada, e detestava isso embora dissessem que era "para o meu bem". 
Uma prenda doméstica que tentei dominar foi bordado. Lembro encantada de 
tardes que passávamos juntas na grande sala, cada uma com seu bordado, 
conversando animadas, ela falando da infância, da família, de como conheceu 
meu pai. Naturalmente, os bordados dela eram perfeitos, e os  meus, uma 
confusão de fios tortos, encardidos, o lado avesso cheio de grandes nós. Eu era 
um desastre nisso e em outras coisas, como cozinha.
nisso e em outras coisas, como cozinha.
"As filhas de minhas amigas e primas sabem cozinhar, fazer bolo, arrumar a mesa 
lindamente. Pra outras coisas, você é tão inteligente, por que não aprende?". 
Eu não me interessava, e pela vida afora, sem interesse ou entusiasmo, em geral 
faço tudo malfeito. Brigamos incrivelmente, pelas coisas mais bobas, ligadas a 
esses meus defeitos. Mas ela curtia imensamente sua casa, os netos e a neta. Era 
ótima parceira nos assuntos que eu deveria cultivar: comprar roupas bonitas, 
me vestir melhor, gostar de festas. Às vezes me olhava como quem diz 
"Que pessoa é essa que eu pari e não entendo?" – nada original em muitas mães.
Nos últimos 10 anos de vida, até os 90, foi prisioneira na clausura do Alzheimer. 
Cuidei dela até o fim: já não me reconhecia, enrolada no xale da sua ausência. 
Guardei algumas mágoas infantis, mas agora, tantos anos depois, quando me dói 
não ter mais a quem chamar de "mãe", sei que fizemos as pazes. Acreditem, 
é uma sensação maravilhosa. Onde quer que você esteja, dona Wally: você me 
faz muita falta.