segunda-feira, 8 de outubro de 2012

“Censurar Monteiro Lobato é analfabetismo histórico”


ENTREVISTA / JOÃO LUÍS CECCANTINI


Por Nathalia Goulart em 02/10/2012 na edição 714
Reproduzido da Veja.com, 1/10/2012

A obra literária de Monteiro Lobato (1882-1948) tem alimentado gerações de crianças e jovens, e não consta que seus leitores tenham formado uma horda racista. Assim mesmo, mais um livro do escritor virou alvo nesta semana da caçada ideológica que tenta enquadrar o criador do Sítio do Pica Pau Amarelo no crime da racismo. A exemplo do que já fizera com Caçadas de Pedrinho, o Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara) quer banir das escolas públicas o livro Negrinha, lançado em 1920. O que incomoda o instituto são passagens como “Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados.” A patrulha acusa a obra de trazer “estereótipos e preconceito”.
“Trata-se de analfabetismo histórico”, diz João Luís Ceccantini, pesquisador de literatura infanto-juvenil e coautor do livro Monteiro Lobato Livro a Livro. “Querer censurar ou modificar em algum grau uma obra cultural é um absurdo.” Estudioso da assimilação da literatura por crianças, Ceccantini acrescenta uma informação ao debate sobre Lobato que demole de vez os argumentos dos censores, que alegam que as obras de Lobato prejudicam a formação das crianças. “Eu tenho estudado a forma pela qual as crianças absorvem o que leem e minha conclusão é que elas sabem identificar os excessos dos livros. Elas se apegam ao que é bom, à essência das histórias – e, no caso de Lobato, essa essência não é racista.”
Confira a seguir a entrevista com o pesquisador.
O que o senhor acha da tentativa de banir a obra de Monteiro Lobato das escolas públicas?
João Luís Ceccantini – Trata-se de analfabetismo histórico, que despreza o tempo em que determinadas obras foram escritas. Querer censurar ou modificar em algum grau uma obra cultural é um absurdo. Deve-se ainda observar outra questão: temos de fato uma educação tão deficitária a ponto de os professores serem incapazes de ajudar os alunos a interpretar passagens que eventualmente façam uso de uma linguagem que já não é mais aceita? Por que não usar esse pretexto para discutir em sala de aula o racismo? É uma grande oportunidade.
O senhor tem um trabalho extenso na área de literatura infantil e acompanha de perto o envolvimento das crianças com a leitura. De que maneira elas são influenciadas pelo que leem?
J.L.C. – Em primeiro lugar, a ficção não tem esse poder todo que a gente imagina. A transferência dos exemplos não é tão automática assim. Em resumo: o fato de eu ler uma história de ficção não significa que vou sair por aí reproduzindo um comportamento da ficção. Se fosse assim, bastava escrever livros com histórias boas e puras para que construíssemos uma sociedade perfeita. Mesmo com a criança, essa transferência não é automática. Eu tenho estudado a forma pela qual as crianças absorvem o que leem e minha conclusão é que elas sabem identificar os excessos dos livros, elas se apegam ao que é bom, à essência da história – e, no caso de Lobato, essa essência não é racista. As crianças entendem que a passagem “macaca de carvão” não faz discriminação com Tia Nastácia, porque essa não é a essência do livro. Ao contrário do que possa parecer, a criança é seletiva. Mais seletiva do que muitos críticos.
Tia Nastácia é retratada ao longo da obra de Lobato de forma bastante positiva. Não é exagero acusar o autor de racismo nesse caso?
J.L.C. – Sem dúvida. Tia Nastácia é tratada de forma muito amorosa em toda a obra de Lobato. Existem milhares de citações afetivas em relação à personagem, que tem uma função crucial na vida dos demais personagens: eles recorrem a ela em busca de conselho, de carinho. Devemos observar ainda que Lobato usa Tia Nastácia como pretexto para criticar a superstição, a religiosidade e o excesso de crença no sobrenatural. Mas não há nenhum traço de ódio racial nessas passagens.
Cartas de Lobato reveladas recentemente mostram a simpatia do autor por teses da eugenia (corrente que defendeu o aperfeiçoamento da espécie por meio da seleção genética e controle da reprodução). Isso deve de alguma foram permear a análise que se faz da obra do autor?
J.L.C. – Lobato foi, acima de tudo, um humanista. Ele lutou pela igualdade, pela democracia e não há um só episódio que o ligue a corrupção em alguma esfera. E ele sofreu muito por isso. Decepcionado com os rumos que o país tomava já naquela época, ele foi um crítico ferrenho do Brasil. Em relação às cartas, não podemos esquecer que todos nós somos frutos da época em que vivemos. Os pensamentos que ele exprimiu nos seus textos eram muito comuns naquela época, como a eugenia. Outros escritores que eram celebridades naquele tempo tinham ideias semelhantes, mas eles não sobreviveram ao tempo. Portanto, pintar Monteiro Lobato como racista é um erro.
O senhor já tinha assistido a discussões semelhantes sobre as obras de Lobato?
J.L.C. – Nenhuma controvérsia envolvendo Lobato é novidade para mim. Ele era uma figura extremamente complexa, e isso faz dele um alvo fácil. Aconteceu em diversos momentos da história. Não se pode perder de vista que estamos falando de um dos maiores escritores brasileiros: se tivesse escrito em inglês, seria um dos maiores de sua época. Sua literatura infantil é de uma riqueza incomparável. Mas, como eu disse, ele é um fruto de seu tempo, como todo nós, aliás. Se sua obra ajudar a discutir o racismo, então vamos discutir – não censurar.
Há casos semelhantes de tentativas de censura na literatura infantil?
J.L.C. – O caso mais notável é o do autor americano Mark Twain (de cuja obra tentou-se suprimir o termo “nigger”,considerado racista em inglês). Mas acredito que tudo isso tem um lado positivo. A literatura costuma circular entre grupos muito pequenos: quando a democracia se fortalece e o nível de letramento da população cresce, temas como esse vêm à tona. O que não pode haver é uma caça às bruxas. Se formos censurar tudo, comecemos por Homero, na Antiguidade: ninguém saíra ileso.
Qual o prejuízo de suprimir palavras ou reescrever trechos de uma obra literária?
J.L.C. – Reescrever a história é uma das coisas mais nefastas que pode haver.
Uma das propostas do instituto que tenta proibir a distribuição de Caçadas de Pedrinhoé enviar o livro para as escolas com um anexo que aponte as passagens consideradas racistas. O senhor concorda com esse “guia de leitura”?
J.L.C. – Se for o preço a pagar para garantir que a obra de Lobato continuará circulando, que coloquem a tal nota explicativa. O problema, contudo, é que assim criaríamos um modelo editorial que supõe que o leitor é bobo e incapaz de chegar a suas próprias conclusões. Não sei em que medida isso é bom. Um dos grandes fascínios da literatura é permitir múltiplas leituras.

Vinicius de Moraes e Toquinho – Sei lá.. a vida tem sempre razão



ÀS URNAS, CIDADÃOS!


          Percival Puggina
             Não sou fã da atual configuração do STF. Após certas deliberações ali tomadas, a Constituição deveria receber atendimento em Pronto Socorro para se refazer dos maus tratos. Coisa muito feia. Na origem dessa minha zanga está a tal história de tomar os princípios constitucionais em estado bruto e passá-los no esmeril, dando-lhes formato que sirva para articular o texto com o que vai na testa do julgador. Tal conduta é mais do que recorrente. Já vi ministro invocar o princípio da dignidade da pessoa humana até para opor-se à rinha de galos (concordo com a proibição, mas não com a aplicação desse princípio ao caso). Impossível negar, porém, que a Corte, neste momento, desfruta de amplo reconhecimento nacional. A atividade que vem desenvolvendo é aparatosa, demorada, mas consistente. Os fatos foram objeto de perícias. Há provas documentais, circunstanciais e testemunhais. Poucos põem em dúvida as ocorrências descritas. E todos os que dizem que os crimes não existiram são pagos para tanto, ou têm a perder, com o reconhecimento deles, algo material ou imaterial, de cunho político, ideológico ou filosófico.
             Seja como for, o julgamento do Mensalão põe na mesa dos debates o sistema de governo, o sistema eleitoral e a política como a praticamos no Brasil. Repetidas vezes essas pautas têm sido objeto de considerações dos ministros do STF e da mídia que cobre as sessões. Inúmeras vezes, também, do alto da minha insignificância, tenho escrito que esse modelo é ficha-suja, concentra poder político e financeiro em proporções incompatíveis com a democracia e, por isso mesmo, atua como feromônio para atrair e excitar patifes de toda ordem. São tantas e tamanhas as regalias disponíveis no almoxarifado do poder que só fica ao seu desabrigo quem quer. O Mensalão é a monetização de outras práticas para composição de maiorias parlamentares, que se instalaram no país desde que Collor foi apeado do poder.
             Hoje vamos às urnas. Do meu ponto de vista, a política brasileira alcançou um nível de degradação que só os eleitores podem retificar. O sistema e seus males jamais serão corrigidos por via judicial. Menos ainda com as mudanças dependendo de uma deliberação dos que dele se beneficiam. No entanto, o cidadão, o ser humano em sua dimensão política, pode, por ato da própria vontade, abandonar os velhos critérios de escolha e proporcionar aos partidos, em sua negligência, sucessivas lições de discernimento, escolhendo não apenas os bons, mas os melhores entre os bons.
             O que escrevi só será utópico se considerarmos que o Mensalão venceu. Com efeito, assim como, em meio à indignação popular, há o Mensalão corrompendo os andares de cima, há o Mensalinho fazendo o mesmo nos andares de baixo. Todo eleitor que escolhe candidato por interesse pessoal, corporativo, comercial, não republicano, está usando a democracia e as instituições para benefício próprio. Sua atitude pouco difere daquela que despreza nos mensaleiros.
             Ao votar hoje, tenha em conta de que as câmaras municipais são a estufa onde se produzem as futuras elites políticas do país. O eleitor que pretende votar no mais caricato, para "protestar"; no cara de determinada afiliação, sabe-se lá por quê; na celebridade tal ou qual, apenas porque já ouviu falar dele ou dela; e por aí afora, faça este favor à Nação: vote em branco ou nulo. Lembrem-se os demais, por fim, da frase de George J. Nathan - "Os maus políticos são eleitos pelos bons cidadãos que não votam". Portanto, às urnas, cidadãos!

Zero Hora07 de outubro de 2012

José Dirceu volta a falar em mobilizar as massas contra a sua prisão


Videversus


Sob risco de condenação pelo Supremo Tribunal Federal, já nesta terça-feira, o ex-ministro José Dirceu avisou a colaboradores que se manifestará, na quarta-feira, à cúpula do PT sobre o julgamento do Mensalão do PT. Sua intenção é fomentar um movimento político contra sua prisão para cumprir pena. O discurso acontecerá um dia depois da sessão do Supremo que selará o futuro de José Dirceu. Será sua primeira declaração após o julgamento. Até agora, quatro dos dez ministros que participam do julgamento votaram sobre seu caso: três pela condenação e um pela absolvição. Em recente reunião com aliados e assessores, José Dirceu disse que não cairá calado. Antes dedicado a discussões macroeconômicas, o blog do ex-ministro será um instrumento de ação política. A cargo de sua assessoria política, a mobilização de José Dirceu preocupa o comitê eleitoral de Fernando Haddad. O comando da campanha teme que essa articulação afete Haddad na corrida pela prefeitura de São Paulo, já que o escândalo do Mensalão do PT foi explorado pelo adversário tucano, José Serra, no primeiro turno. Apesar de disposto a falar ao Diretório Nacional do partido, convocado para discutir a sucessão municipal, o ex-ministro evitou contato com o eleitor no domingo na hora do voto. Para driblar o assédio, José Dirceu, que até 2010 votava em um colégio no bairro de Moema, reduto de classe média, pediu transferência de seu domicílio eleitoral para o distrito de Cursino, região periférica da cidade. O mensaleiro já está se escondendo.


Sem o esperado "efeito Tiririca", famosos saem derrotados nas urnas

18:45:39

O ex-BBB Serginho
Orlando Silva, Mulher-Pêra e Serginho: fama não foi suficiente


Ao contrário do que aconteceu em 2010, o eleitor foi mais exigente nestas eleições. Se há dois anos o Brasil elegia figuras como Tiririca, Popó e Romário para o Congresso Nacional, desta vez o brasileiro demonstrou estar mais cauteloso com relação a quem o representará nas câmaras municipais. Subcelebridades que apostavam que os seus 5 minutos de fama seriam suficientes para atrair o voto do eleitor acabaram vendo que o chamado “efeito Tiririca” pode ter sido um lapso momentâneo. ...

Em São Paulo, por exemplo, a Mulher-Pêra (PTdoB) obteve menos de dois mil votos e não se elegeu vereadora. O ex-Pânico Charles Henriquepédia (PTdoB), candidato no Rio,  também ficou de fora. Até mesmo Marcelo Frisoni (PP), marido de Ana Maria Braga, e o cantor Kiko (PSD), da banda KLB, a cantora Rosana, o ex-BBB Serginho, o jogador Marcelinho Carioca e a atriz Nani Venâncio levaram um belo “não” das urnas.   

E não apenas de subcelebridades o eleitor brasileiro parece estar farto. Nomes de candidatos ligados de alguma forma às más-lembranças da história política do país também foram reprovados. Foi o caso de Marcelo Sereno, que perde pela segunda vez a vaga de vereador pelo Rio de Janeiro. Ex-assessor do réu do mensalão José Dirceu, Sereno foi da Casa Civil nos tempos áureos de Dirceu como “o poderoso chefão”. 

Outro que perdeu – e feio – nestas eleições foi o ex-ministro do Esporte, Orlando Silva (PCdoB). Candidato a vereador em São Paulo, o comunista que deixou o governo após graves denúncias em sua pasta conquistou cerca de 20 mil votos e nem mesmo a boa votação de seu companheiro de chapa, Netinho de Paula, conseguiu arrastá-lo para uma cadeira na Câmara Municipal Paulistana.
Fonte: Redação / com agências - 08/10/2012

CRÔNICA Cartas de Londres: A política do aborto no Reino Unido



A inglesa Sarah Catt foi notícia no mundo todo há poucos dias, depois de condenada a oito anos de prisão por ter abortado um bebê a poucos dias da data prevista para o nascimento.
Ao ver-se grávida, e acima do limite permitido para a interromper a gestação, Catt adquiriu um remédio via Internet e fez, ela mesma, o aborto.
A questão, por aqui, não tem a importância política com que repercute nos Estados Unidos, ou mesmo no Brasil. A legalização foi acordada há muito tempo, com o Abortion Act, em 1967.
Desde então, a lei diz que o aborto pode realizar-se ao longo das primeiras 24 semanas de gravidez. Isso vale para a Inglaterra, País de Gales e Escócia. No caso da Irlanda do Norte, a história é outra. A prática é ilegal, a não ser com recomendação médica, em caso, por exemplo, de risco de morte da mãe.
Mesmo diante de um consenso que parece sedimentado pelos anos, de tempos em tempos o debate recrudesce no Parlamento Britânico (em 2008, o assunto foi novamente levado a votação).
Desta vez, um comentário feito pelo Secretário da Saúde, Jeremy Hunt, reavivou a polêmica. Durante uma entrevista, Hunt defendeu publicamente a redução do limite para a realização do aborto, de 24 semanas para 12 semanas de gestação.
A possibilidade gerou protestos de grupos de defesa dos direitos das mulheres. Para alívio deles, o Primeiro- Ministro David Cameron afirmou que o Governo não tem plano nenhum de mudar a lei.
Os dados oficiais mostram que, no ano passado, 190 mil mulheres abortaram na Inglaterra e no País de Gales. Mais de 90% delas realizaram o procedimento antes da 13º semana de gravidez. Para Cameron, essa é uma prova de que exageros não são cometidos.
No Reino Unido, o aborto pode ser executado em hospitais do serviço público de saúde ou em clínicas particulares, e o procedimento precisa receber a aprovação de dois médicos. O índice de complicações é baixo, e a política adotada pelo Governo inglês é elogiada em todo o mundo.
Talvez, por isso, a reação aos comentários de Hunt tenha sido tão intensa. Para muita gente, uma redução no deadline para a realização do aborto seria um retrocesso nas questões de liberdade individual, isso sem falar no perigo do "turismo abortivo". Países como a Holanda, por exemplo, permitem o aborto tardio. Isso para quem puder pagar por eles…

Mariana Caminha é formada em Letras pela UnB e em jornalismo pelo UniCEUB. Fez mestrado em Televisão na Nottingham Trent University, Inglaterra. Casada, mora em Londres, de onde passa a escrever para o Blog do Noblat sempre às segundas-feiras. Publicou, em 2007, o livro Mari na Inglaterra - Como estudar na ilha...e se divertir

A preocupação de Lewandowski



Diálogo reproduzido por um dos advogados dos réus do mensalão em conversa com outro:
- Meu nome está no lixo. E eu virei lixo. Vocês têm de me proteger - diz Ricardo Lewandowski, ministro-revisor do processo do mensalão.
- Vocês quem? - pergunta o advogado.
- Vocês, advogados - insiste o ministro.
-Mas, ministro, vocês estão condenando todos os nossos clientes. O que podemos fazer?


Lewandowski pediu que agentes de segurança o acompanhassem, ontem, para votar numa escola de São Paulo. Entrou pelos fundos da escola.
Quando vota, o ministro procede de acordo com sua consciência, apenas isso. Não tem por que seguir o voto da maioria se não concorda com ele.
Louve-se sua independência. E respeite-se suas escolhas.

Fatos, Leis e Espancamento de Mobília, por Elton Simões



Na rua, vejo um casal discutindo. Mais adiante, dois motoristas se desentendem sobre a responsabilidade de cada um no acidente de transito. Em uma mesa na calcada, entre uma e outra garrafa de vinho, alguns amigos discutem posições opostas.
Talvez os conflitos sejam a primeira invenção da humanidade. Devem ter aparecido alguns minutos após o nascimento do segundo ser humano. É um reflexo natural da tensão entre a individualidade e a necessidade de convivência social.
A matéria prima dos conflitos é simples e abundante. Não precisa muito. Basta o encontro entre mais de uma pessoa com visões, valores, identidades ou interesses diferentes e contraditórios.
Não é a existência ou o numero de conflitos que indica o grau de evolução de uma sociedade. É a combinação da maneira como estes conflitos são endereçados com o mecanismo adotado para a resolução das inevitáveis disputas que criam (ou não) condições para o desenvolvimento de uma sociedade.
Em geral, nas sociedades que conseguem, ao mesmo tempo, discutir os conflitos de maneira transparente e aberta; e resolver as disputas de maneira rápida, equilibrada e eficientemente, a cidadania floresce.
Por isto, o mundo ocidental inventou e aperfeiçoou formas de resolução de disputas visando à eficiência em termos de acesso, custo e justiça. Inicialmente, criou-se o sistema judiciário e, mais recentemente, as formas alternativas de resolução de conflitos (em inglês, ADR, “Alternative Dispute Resolution”), das quais se destacam a mediação e a arbitragem.
Além da disponibilidade de formas pacificas de resolução de conflitos, o comportamento das partes em disputa é também um elemento fundamental no processo de cidadania. Escolhido o caminho para a solução da disputa, as partes em conflito devem reconhecer a legitimidade do processo, independentemente do resultado do confronto.


Lamentavelmente, o grau de agressividade da parte em relação ao processo e a sua legitimidade estão intimamente relacionados à perspectiva de obtenção de resultado desfavorável. Diz-se, no direito anglo-saxônico, que se os fatos são favoráveis, bate-se pelos fatos. Se a lei é favorável, bate-se pela lei. Mas se os fatos e as leis não são favoráveis, bate-se na mesa.
Felizmente, espancamento de mobília não altera fatos, leis e (esperamos) resultados.

Boca de urna do Ibope erra em oito de 11 capitais



 Os erros foram maiores em Curitiba, Salvador e Manaus. Instituto inverteu colocações na capital baiana, não viu avanço de Fruet no Paraná e superestimou votação de senadora no Amazonas
O Ibope antecipou com precisão o resultado mais aguardado destas eleições municipais: a definição dos dois adversários que se enfrentarão no segundo turno em São Paulo. Em pesquisa divulgada às 17h pela TV Globo, o Ibope já anunciava que José Serra (PSDB) e Fernando Haddad (PT) haviam deixado para trás Celso Russomanno (PRB).
Os índices obtidos pelos três candidatos paulistanos ficaram dentro da margem de erro, de dois pontos percentuais, estabelecida pelo instituto. O acerto na capital paulista não esconde, porém, os erros da boca de urna do Ibope em outras capitais.
Houve divergência acentuada entre os resultados previstos pelo instituto e os números apontados pelas urnas em três das 11 cidades pesquisadas: Curitiba, Salvador e Manaus.
Em outras cinco, a votação ficou fora da margem de erro, embora os desvios tenham sido menos gritantes: Porto Alegre, Rio de Janeiro, Goiânia, Recife e Fortaleza.
Na capital paranaense, a boca de urna foi precisa ao dar a primeira colocação ao deputado Ratinho Júnior (PSC), que avançou para o segundo turno com 34% dos votos válidos. Mas errou ao identificar o adversário dele: apontou o prefeito Luciano Ducci (PSB) em vez do deputado Gustavo Fruet (PDT).

Gustavo Fruet - Foto Divulgação

Fruet, que aparecia em terceiro lugar com 24% dos votos na pesquisa realizada hoje (7), terminou com 27,23%. Ducci, que figurava com 29% na boca de urna, ficou com 26,76%. Ou seja, o pedetista terminou à frente com 4.402 votos.
Em Salvador, o Ibope errou ao apontar uma vantagem de sete pontos percentuais para Nelson Pelegrino (PT) sobre ACM Neto (DEM). O líder do DEM na Câmara terminou a votação ligeiramente à frente do deputado petista, diferença de menos de um ponto percentual.
Na capital de Manaus, a boca de urna superestimou a votação dada à senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB), segunda colocada. A diferença entre ela e o primeiro colocado, Arthur Virgílio (PSDB), que era de 11 pontos, de acordo com o instituto, acabou chegando a 20 pontos. Arthur Virgílio vai ao segundo turno com 40,56% dos votos válidos.
Outros candidatos acabaram tendo menos votos do que os estimados pela boca de urna do Ibope, aplicada a margem de erro, como Manoela D’Ávila (PCdoB) em Porto Alegre, Jovair Arantes (PTB) em Goiânia e o próprio prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSDB). No caso de Paes, a diferença não o impediu de ser reeleito em primeiro turno com uma das maiores votações proporcionais do país.

OBRA-PRIMA DO DIA - ESCULTURA - Semana Henry Moore: Figuras Reclinadas


Nascido em Yorkshire, em 1898, Henry Moore começou a esculpir ainda muito jovem. Filho de um mineiro, iniciou seus estudos em Leeds depois de combater na Primeira Guerra Mundial. Em 1921 mudou-se para Londres, onde estudou no Royal College of Art como bolsista. Concluiu o curso em 1925. Ainda no mesmo ano tornou-se professor de escultura na mesma instituição, onde lecionou até 1932.
Realizou sua primeira exposição individual em Londres, em 1928. Em 1932 transferiu suas atividades de ensino para a Chelsea School of Art. Em 1933 tornou-se membro da “Unit One”, um grupo de jovens artistas ingleses. Em 1939 a “Chelsea School” foi desalojada, seu estúdio bombardeado e Moore interrompeu suas aulas, transferindo-se para Kingston, onde ficou um ano.
Em 1940 foi nomeado "artista da guerra", época em que iniciou sua conhecida série de desenhos dos refúgios antiaéreos. Em 1941 foi eleito membro do conselho da Tate Gallery por sete anos (e reeleito em 1949). Nessa época, viajou para Nova York, onde expôs individualmente desenhos e esculturas, realizando exposições também em Chicago e São Francisco.
Ficou famoso por suas monumentais esculturas em bronze, que podem ser vistas em muitos espaços públicos em várias cidades do mundo.
Suas obras normalmente são abstrações da forma humana, figuras quase sempre reclinadas. Com exceção de uma fase na década de 50, logo após seu casamento e o nascimento de sua filha Mary, quando esculpiu alguns grupos familiares, as obras de Moore quase sempre sugerem um corpo de mulher.

Acima A Legenda, em bronze, de 1957/58, que está nos jardins da Hebrew University, Jerusalem

As figuras reclinadas, recorrentes em sua obra, são como a assinatura de Moore. Inspirado numa estátua tolteca, proveniente de Chichen-Itza, México, que viu nos jardins do Trocadero*, em Paris, nas primeiras que esculpiu sua preocupação era com o volume enquanto que nas posteriores ele estudava o contraste entre o volume e o espaço, fazendo aberturas nas formas que esculpia.
Como vemos, há versões em gesso e bronze inspiradas na mesma ideia da figura reclinada. Quando uma sobrinha lhe perguntou porque os nomes que dava às esculturas eram tão simples, ele lhe disse: “Toda arte deve conter um certo mistério e deve exigir de quem a observa. Dar a uma escultura ou desenho um título muito explícito tira parte do mistério e assim o espectador passa para outra peça, sem se esforçar para refletir sobre o significado do que acaba de ver. Todos acham que olham o que estão vendo, mas na verdade, não estão olhando”.
Abaixo Figura Reclinada, de 1951, em gesso pintado, que fica nos jardins doFitzwilliam Museum, Cambridge, Inglaterra


*Hoje a estátua tolteca pode ser vista no Museu Nacional de Antropologia, Cidade do México.

Voto secreto



Sebastião Nery
O coronel Chico Heráclio foi um Padre Cícero sem batina. E deixou histórias que Pernambuco e o Nordeste inteiro sabem e repetem. Em Limoeiro, quem mandava era ele. Era o senhor da terra, do fogo e do ar. Ou obedecia ou sumia. Fazia eleição como um pastor. Punha o rebanho na frente de casa, e ia tangendo, um a um, para o curral eleitoral.
Na mão, o envelope cheinho de chapas. Que ninguém abria, ninguém via, ninguém sabia. Intocado e sagrado como uma hóstia. Depois, o rebanho voltava, um a um, para comer. Mesa grande e fartura fartísssima. Era o primeiro preço do voto. E a festa da vitória. Um dia, um eleitor foi mais afoito:
- Coronel, já cumpri meu dever, já fiz o que o senhor mandou. Levei as chapas, pus os votos lá dentro, direitinho. Só queria perguntar uma coisa ao senhor : – Em quem foi que eu votei?
- Você está louco, meu filho? Nunca mais me pergunte uma asneira dessas. O voto é secreto.
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MURICI
José Murici, cearense boa praça, era fiscal federal do Instituto do Sal em Alagoas e adorava Maceió. Fez a campanha do candidato a governador que perdeu. O governador que ganhou pediu sua remoção para o Ceará.
José Murici ficou desesperado. No dia da viagem, os olhos cheios de lágrimas, encontrou no aeroporto o secretário do governador que tinha pedido, conseguido e providenciado sua saída. Avançou em cima dele como uma fera.
De serviço no aeroporto estava Bezerrão, investigador, dois metros de altura, 150 quilos de peso, analfabeto e sábio. Agarrou José Murici pelas costas, levou-o para um canto do aeroporto e lhe disse bem baixinho:
– Murici, Murici. Eu sou mais velho do que tu. Não sei ler mas conheço a vida. Volta para o teu Ceará que um dia o mandato do governador acaba, ele vai embora e tu vem de novo para Maceió. Murici, se tudo que subisse não caísse, o céu estava cheinho de talisca de foguete.

A instabilidade das pesquisas



Carlos Chagas
Pretender ganhar todas é próprio dos soberbos ou dos malandros. Parece aquela história do turfista que vai ao jóquei e aposta em todos os cavalos de um mesmo páreo. Não vai perder, mas também não ganha nada.
charge - essas pesquisas
Com todo o respeito, foi mais ou menos esse o comportamento dos institutos de pesquisa, nas eleições para prefeito de São Paulo. Ainda no sábado, um deles apresentou números distintos para a mesma disputa. Serra teria 24, Russomano 23 e Haddad 20. Só que o mesmo instituto acrescentou outros percentuais: computados apenas os votos válidos, Serra teria 28, Russomano 27 e Haddad 24.
Qual a previsão verdadeira? Se uns votos eram válidos outros seriam inválidos? A conclusão foi de que qualquer um poderia ganhar, ainda mais com essa mistificação da “margem de erro”, quer dizer, dois para cima, dois para baixo, até três, numa evidente tentativa de demonstrar que acertaram de todo jeito, apesar de os números não baterem.
Outra empresa de consulta eleitoral preferiu caminho diverso mas nem por isso menos confuso: os três candidatos teriam 22 por cento. Ou 26, no caso dos votos válidos.
É claro que certas eleições embolam mesmo os preferidos. Faz parte do fascínio da democracia ficar muitas vezes sem conhecer ao certo a vontade do eleitor, até que ela se manifeste. Assim, melhor apostar em todos, prática adotada pelos institutos na capital paulista. Hoje, estarão dizendo que acertaram, que previram o vendedor afinal saído das urnas. Explica-se, porque apostaram em todos, além de as pesquisas custarem caro, em boa parte pagas, sendo preciso programar as próximas eleições.
Emerge de ontem a instabilidade das pesquisas. A insegurança de institutos. No caso de fracassos sempre estarão prontos para demonstrar que quem mudou foi o eleitor. Será? Ou não estariam os paulistanos, em grande maioria, há semanas já sabendo em quem votar? Botar a culpa em metodologias diferentes é brincadeira. Ou a única pergunta a ser feita não seria mesmo a mais simples: “Em quem o amigo vai votar?”
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ENSAIO GERAL?
Discute-se a influência das eleições de ontem na disputa de 2014. Dizem os caciques partidários, prevenindo-se contra más performances nos embates municipais, que alhos nada têm a ver com bugalhos. Que o eleitor votou em função de questões paroquiais e que a sucessão presidencial marcada para daqui a dois anos envolverá essencialmente candidatos voltados para temas nacionais.
Pode não ser bem assim, na medida em que ficarmos sabendo da performance dos partidos. O PMDB está elegendo o maior número de prefeituras do interior, ainda que o PT não fique muito atrás. Surpreende o PSB com prefeituras de capitais, mais os pequenos partidos, sem esquecer o PSDB.
Tudo indica que Dilma Rousseff pleiteará a reeleição, pelos companheiros, surgindo Aécio Neves como contraponto, pelos tucanos. Aparece, porem, um arremedo de terceira via, com Eduardo Campos pelos socialistas, mas de olho no PMDB.
O ainda maior partido nacional poderá servir de fiel da balança, com muito maiores chances de continuar fazendo dobradinha com Dilma Rousseff através do vice-presidente Michel Temer. Mas se surgirem obstáculos, o governador de Pernambuco estará de olho. Nessa equação partidária, haverá lugar para o coringa Joaquim Barbosa? Há quem julgue possível, por meio de uma pequena legenda. Caso ele não dê um imediato basta a tais especulações.

Maluf se oferece para decidir a eleição em São Paulo e espera convite para gravar apoio a Haddad na TV


Carlos Newton

“Vanitas vanitatus” (vaidade das vaidades) parece ser o lema da eleição em São Paulo. Enquanto a senadora Marta Suplicy (PT –SP) diz ser responsável pela virada que levou o petista Fernando Haddad ao segundo turno (“Entrei na campanha no momento certo”) o deputado Paulo Maluf (PP-SP) se oferece para decidir a disputa, dizendo esperar um convite do PT para gravar depoimento de apoio ao petista Fernando Haddad.

 Procurado em 181 países
“Se me chamarem para gravar, eu vou”, afirmou Maluf, depois de votar no Colégio Sacre Couer de Marie, no Itaim, Zona Sul de São Paulo.
Cercado de jornalistas, Maluf brincou quando lhe perguntaram sobre a sensação de fazer campanha para o candidato do PT, seu adversário histórico na cidade. “Eles mudaram muito. Estão à minha direita. Eles defendem tanto as multinacionais, os automóveis, as geladeiras, que me sinto comunista perto deles”, ironizou o ex-prefeito.
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“HADDAD É LIMPO”
Maluf, procurado pela Interpol em 181 países, defendeu o voto em Haddad afirmando que o ex-ministro da Educação é “limpo”. Maluf aproveitou para elogiar Lula, dizendo que o ex-presidente “é um democrata”.
“Ele e o PT mudaram muito. Ele esteve na minha casa e fizemos um casamento com transparência, com ele e o candidato”, lembrou.
Depois de votar, Maluf disse ainda que não é possível saber agora qual o impacto do mensalão na campanha de Haddad. “Não tenho medida”, disse, acrescentando ter sido abordado em um restaurante sobre o assunto. “Eu disse: minha senhora, eu sou católico apostólico romano praticante. Não é porque tem um padre pedófilo na Paraíba ou em Alagoas ou na Irlanda que eu vou deixar de ser católico.” Para ele, se há petistas que cometeram erros, “devem ser punidos”.

Cientista polítivo diz que eleitor pode não seguir alianças dos candidatos no segundo turno



O professor e pesquisador do Insper, Humberto Dantas, em entrevista à TV Estadão, avaliou as tendências de apoio neste segundo turno em São Paulo. “O PMDB de Gabriel Chalita nacionalmente apoia o PT. Há uma probabilidade muito grande de apoio em São Paulo”, afirmou, “Paulinho da Força (PDT) parece mais adepto da candidatura do PSDB”, ressalvou.
Sobre a tendência do eleitorado, Dantas falou da infidelidade dos eleitores. “Segundo pesquisas, a característica do eleitor é mais relevante do que o apoio do candidato que ele votou no primeiro turno. Ou seja, não é porque eu tenho uma afinidade com a sua proposta que eu vou para onde você vai”, disse.
Sobre Celso Russomanno (PRB), afirmou  que o candidato surgiu como uma surpresa. “Esperava-se que ele caísse antes. Deveria ter caído, mas só caiu quando os adversários perceberam que precisavam de uma ação mais incisiva”, disse.
Ele avalia que Russomanno teve forte apoio do eleitorado conservador. “Há uma probabilidade maior desse eleitorado se aproximar de José Serra (PSDB) do que Fernando Haddad (PT)”, afirmou.
Lembrando que se chegou a considerar que Serra estaria fora do segundo turno, o cientista político disse que ele chega agora como o mais votado. “Mas o panorama para o segundo turno é indefinido”, analisa.
Dantas disse que há boas justificativas para os dois partidos acusarem um ao outro, citando o mensalão e a rejeição de Serra em São Paulo. “É importante ver o passado, mas precisaria ter uma discussão de uma forma mais consistente sobre o que eles pretendem para a cidade”.

Reino Unido diz que vai taxar os ricos para reduzir déficit público


Primeiro ministro do país também ameaça vetar orçamento da UE


LONDRES E BIRMINGHAM - O primeiro ministro do Reino Unido, o conservador David Cameron, disse em entrevista ontem à BBC que o governo vai anunciar novas medidas para elevar a taxação sobre os ricos do país, depois de ter rejeitado a proposta do Partido Liberal, seu parceiro na coalizão de governo, de um aumento no imposto sobre mansões. Recentemente, Cameron dissera que o país estava aberto aos ricos da França — que anunciou no fim do mês passado um aumento de imposto de renda dos milionários.

Em defesa de dois orçamentos
— Nós vamos tomar medidas para assegurar que as pessoas mais ricas do nosso país paguem uma fatia justa na redução do nosso déficit — disse Cameron à BBC, acrescentando que os ricos estão pagando um percentual mais elevado sobre a renda do que no governo trabalhista anterior.
O primeiro-ministro britânico — que participa de conferência do Partido Conservador em Birmingham — também ameaçou vetar o orçamento da União Europeia (UE) para 2014-2020, se os demais membros da zona do euros não concordarem em adotar um acompanhamento adequado dos gastos. Cameron defendeu a adoção de dois orçamentos: um para a zona do euro e outro para os países que não adotam a moeda única, grupo no qual se inclui o Reino Unido.
— Eu vetarei o orçamento da UE, se necessário.
Não seria a primeira vez. No ano passado, ele vetou a proposta de um tratado da UE para criar um pacto fiscal no bloco. Mesmo com o veto do Reino Unido, a proposta acabou sendo assinada pelos demais sócios como um acordo, e não um tratado.
— A Europa sabe que faço o que digo. Sentei à mesa com 27 países, 26 deles assinaram o acordo e eu disse que não era de interesse do Reino Unido. — contou à BBC. — Se eu não chegar a um bom acordo, direi não novamente.
Cameron acrescentou que o Reino Unido terá que seguir cortando o gasto público para reduzir o déficit, destacando a tarefa dura do governo de tentar desviar a economia da recessão e ganhar de volta o apoio da população.
— Herdamos um déficit de cerca de 11%. Está em 8% — disse Cameron.
O ministro das Finanças do país, George Osborne, disse que é cedo para dizer como serão os números do ano.
— A economia está cicatrizando, mas há um longo e difícil caminho pela frente — afirmou ao jornal “Mail”.

O dito pelo não dito, por Ricardo Noblat


COMENTÁRIO


No início de 2006, quando o deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), da CPI dos Correios, divulgou seu relatório final sobre o caso do mensalão denunciado por Roberto Jefferson em meados do ano anterior, jornalistas de Brasília procuraram Lula para ouvi-lo a respeito.
Diante de assunto incômodo, como é do seu feitio, Lula se esquivou. E disse: "Não vou ler. Aguardarei o pronunciamento final da Justiça".
Alguns meses antes, Lula ocupara rede nacional de televisão para, aparentemente constrangido, pedir desculpas aos brasileiros. Lamentou tudo o que tinha ocorrido numa admissão velada de que algo muito grave ocorrera de fato.
Ora olhando para a câmara, ora para o teto, se disse traído. E apunhalado pelas costas. Não revelou o nome dos traidores. Nem de quem o apunhalara.
Se o tivesse feito daria margem para que seus desafetos alardeassem: "Estão vendo? Tanto ele sabia da existência do mensalão que não teve dificuldade em identificar os mensaleiros".
De lá para cá, Lula tratou o caso de duas maneiras. A primeira: garantindo que tudo seria apurado pela Justiça, e os culpados punidos. A segunda: afirmando que o mensalão não passara de uma farsa. De uma grande farsa.
A primeira maneira serviu para que Lula atravessasse como um coitadinho os meses que faltavam para a eleição de 2006.
Reeleito, adotou a segunda maneira. O que existira, o que fora chamado de Caixa 2, o que resultaria em punições, cedeu lugar à teoria da farsa. E se fora uma farsa...
Bem, nada mais lógico do que deduzir que ninguém pagaria por ela. Sem crime, sem culpados.
Lula bateu na porta de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) empenhado em convencê-los a adiar o julgamento do processo do mensalão. Não porque temesse a punição dos seus comparsas. Como eles poderiam ser punidos se Lula e Dilma juntos haviam nomeado sete dos atuais 10 ministros?
Nada mais republicano do que esperar que tais ministros votassem para poupar seus padrinhos de constrangimentos.
O adiamento pretendido por Lula tinha a ver com o fato de que o julgamento poderia correr paralelamente à campanha eleitoral. Lula temia que o PT perdesse com isso.
O PT perdeu com a atitude de Lula de interferir no calendário da Justiça. E deve ter perdido em São Paulo com a contaminação do debate político sobre o julgamento.
Lula até que tinha razões para se preocupar. Mas nenhuma para se meter.


Agora, às vésperas de o STF confirmar o nome dos que o traíram, Lula elogiou o voto do ministro Ricardo Lewandowski que absolveu o ex-ministro José Dirceu.
Para ele, Lewandowski foi claro e abordou “questões centrais” durante sua exposição, segundo Gustavo Uribe, repórter de O GLOBO.
Lula tem repetido que não existem provas capazes de mandar para cadeia o acusado de ter chefiado o esquema do mensalão.
Cadê o Lula que se recusou a ler o relatório da CPI dos Correios por que preferia aguardar o pronunciamento da Justiça? E cadê o Lula que garantia estar convencido que a Justiça apuraria o caso e puniria os culpados? O gato comeu?
Não comeu. O Lula que disse tudo aquilo era apenas um farsante. Confiram o que ele dirá tão logo termine o julgamento.
O comportamento de Lula em relação aos mensaleiros é típico de quem se sabe culpado pelo crime que os outros pagarão sozinhos.
De resto, é típico também de quem se sente refém de segredos.
Marcos Valério espera receber em dobro a atenção e o carinho que mereceu do PT até aqui. Do contrário..

A Charge de Chico Caruso




DOIS JUIZES, DOIS CARACTERES II



Giulio Sanmartini.
Em contrapartida ao desatino de Lewandowski, surge um verdadeiro juiz, que está resgatando a dignidade dos brasileiros, que o outro criminosamente solapou.
Trata-se de Joaquim Benedito Barbosa Gomes (58). Jurista altamente qualficado, que com a isenção indispensável à sua função, vem agindo de forma firme com os mensaleiros. Suas ações, num momento difícil para o país, estão provocando a mudança mais marcante na história da República.
Nesse domingo ele foi alvo de um reconhecimento coletivo, acompanhado do motorista e um segurança, votou na 17ª Zona Eleitoral, na Zona Sul do Rio (Clube Monte Líbano, na Lagoa).  O magistrado foi recebido com aplausos e gritos por cerca de dez eleitores que estavam no local. Eles gritavam “parabéns” e frases como “você me dá orgulho de ser brasileiro”. Joaquim Barbosa aguardou na fila por cerca de um minuto e, ao final, tirou fotos e deu autógrafos.
A professora aposentada Leonor Carvalho, de 63 anos, foi uma das eleitoras que assediaram o ministro e conseguiram um autógrafo dele. Mãe de dois advogados, que atuam em Goiânia, Leonor espera que os filhos se espelhem na postura de Joaquim Barbosa.
— Quero que meus filhos sejam como ele: dureza! — brincou Leonor.
A advogada aposentada Cláudia Beauclair se disse surpresa com a presença do ministro na mesma zona eleitoral em que vota.
— Não sabia que ele votava aqui, foi uma surpresa. Tenho admiração pela trajetória de vida e pelo posicionamento. Ele dá voz para a maioria silenciosa dos brasileiros — afirmou Cláudia.
Barbosa de menino pobre, por sua pertinácia e lisura foi guindado à posição de herói nacional, será um verdadeiro exemplo para as novas gerações e, mais importante,  deixará claro que um vil vendido jamais será um herói, mesmo entre os de sua porca laia, haja vista, que Lewandowski, ao votar numa zona eleitoral no Brooklin, Zona Sul de São Paulo, por medo das reações à sua presença se viu constrangido a entrar pela porta dos fundos.
(1) Fotomontagem: Barbosa de menino pobre na capa da Veja, e ao votar como um herói.